segunda-feira, 29 de novembro de 2010

da poligamia

Esse negócio de ter dois blogs é complicado. É quase como poligamia. Alguém sempre sai prejudicado. Geralmente, quem chegou antes... no caso este correio. A falta de ânimo para qualquer coisa que não seja pilhéria também não ajuda muito, é preciso dizer. Mas é segunda-feira e aquele senso de dever baixa sobre nós como uma condenação. Você precisa trabalhar mais, diz a voz em tom imperativo. Você precisa escrever mais. Você precisa ler mais. Você precisa beber menos. Você não está dando atenção para o Luís. Você sempre lembra de ligar pra o Caetano quando não dá mais para ligar. Você precisa ser menos ácida. Devia pintar as paredes do apartamento antes do Natal. O que você vai fazer no Natal? Está na hora de organizar o grande convescote de fim de ano. Será que todo mundo vai? Será que compro as mesma flores ou mudo a cor? O Ano Novo vai ser sem graça. Sempre é. Mas você não gosta de réveillon, lembra? É, você gosta de Natal. É? Talvez. Você está quase esquecendo, quase esquecendo. Estava fazendo sol. Mas da janela agora só dá para ver o céu cinza e todos os carros do mundo passando. O rio é sujo. Mas é bom que ele exista. Eu me acho sempre tola quando olho para o rio e acho que mesmo feio ele é bonito. Não bonito. Não. Mas tem alguma coisa de agradável. O sol vai voltar. Vai? À noite não pode fazer frio. O vestido é curto, sem mangas. Quase parei de roer as unhas. Quase mesmo. Mas tudo pode quebrar de uma hora para outra. Sem aviso. As unhas estão sem cor. Acho que não posso usar sandália. Arranquei a carne dos dedos até sair sangue. A camisola azul ainda está embrulhada em papel de seda na gaveta. Não preciso reler a sua carta. Eu tento não lembrar todas as palavras, mas a memória trai a gente. Trai.

quinta-feira, 11 de novembro de 2010

do perigo dos postes

Era só evitar aquele poste, daquela rua. No mais, estava tudo bem. Tudo bem, ela repetia religiosamente todas as manhãs. E suspirava aliviada sempre que lembrava que estava quase esquecendo. Quase esquecendo. Não devia se demorar muito no banho, nem abrir as gavetas onde deixava guardado ainda o pouco que não conseguiu jogar fora. Se tivesse esses cuidados, podia viver como antes. Podia ao menos deixar de lembrar. Era só evitar o poste. Só aquele poste, daquela rua. Lá, a mulher brincou com o bebê. Brincou de esconder-se. Sorriu. Era jovem naquele dia. Muito jovem. E ali foi feliz pela última vez. Escondida atrás de um poste baldio, de uma rua sem importância.