terça-feira, 30 de junho de 2009

febre

Espero assim, suor e taquicardia, o dia em que nossos segredos se partirão, em que as palavras não sejam poucas e difíceis. Quando só os olhos pairarem, só o desenho do braço em que me deixarei, sem o peso de letra alguma.

domingo, 28 de junho de 2009

cinza

E, apesar do cansaço, da carne fria, da cor do tempo na casa, das folhas que caem há tanto diante da janela, o inverno está apenas começando.

quarta-feira, 24 de junho de 2009

biscoito Maria

quando não sei ao certo como começar o dia pego o livrinho, uma seleta de prosa do Bandeira que fica aqui na mesa, e abro a esmo. Às vezes é só para ler um parágrafo, virar a página e mudar de história. Às vezes é para recorrer a outro livro qualquer. Porque João do Rio, Machado e Rubem Braga também ficam enfileirados ao lado do computador para me socorrer em qualquer emergência.
Mas o início da saga é sempre pelo livro do Bandeira, que é menorzinho, amarelado e com um jeito de que não quer chegar a lugar nenhum. Uns casos à toa, detalhes inúteis, notícias sem serventia, velharias do Rio de anos passados. E assim consigo esquecer de apertar as mãos, de machucar os dedos, e fico só a pensar nos relatos de hemoptises fulminantes, no pátio da igreja em dia de festa de N.S. da Glória do Oiteiro, em um velório perdido no tempo em que se servia vinho do Porto com biscoito Maria.

quinta-feira, 18 de junho de 2009

relendo notícia de jornal

Enlevada por sonhos comezinhos, ideias sem frescor. Devotada a princípios frouxos, desbotados. Encoberta pelo véu de suspiros incovenientes que não consegue conter, enamorada da própria melancolia. Tola, nada além de uma menina bem-comportada. Uma moça triste que errou na dose, errou no amor, errou de João.

quarta-feira, 17 de junho de 2009

terça-feira, 16 de junho de 2009

geometria

Há muito método em se perder.

segunda-feira, 15 de junho de 2009

pré-coisas

Seguir um mesmo itinerário no ônibus, pela manhã, dá-me um tempo para gastar em coisas inúteis, reminiscências, nódoas do tempo, manchas que insistem.

"As coisas que acontecem aqui acontecem paradas. Acontecem porque não foram movidas. Ou, então, melhor dizendo - desacontecem."
Manoel de Barros

domingo, 14 de junho de 2009

domingo

Acordo sobressaltada com o telefone que toca cedo. Medo de ter perdido a hora, de acordar em um dia desconhecido, em um futuro em que não sei me mover. Temo a proximidade da morte, os seus redemoinhos. A cabeça lateja sem trégua e as nuvens entrevistas pela fresta da grande porta de vidro são a única esperança de alívio.


"Tempo do corpo este tempo, da fome
Do de dentro.
Corpo se conhecendo, lento,
Um sol de diamante alimentando o ventre,
O leite da tua carne, a minha
Fugidia.
E sobre nós este tempo futuro urdindo
Urdindo a grande teia.
Sobre nós a vida
A vida se derramando. Cíclica. Escorrendo".

Hilda Hilst - Júbilo, Memória, Noviciado da Paixão

sábado, 13 de junho de 2009

de longe

Porque há dias que valem por meses. E, no momento mesmo em que tudo acontece, é possível saber quais as imagens a serem guardadas e evocadas à exaustão anos depois. A avalanche das coisas mínimas. Todo o desespero que há nos detalhes. O portão de ferro carcomido, o cadeado aberto. A estrada branca, enevoada. A chuva cobrindo tudo e a esperança do sol, longe. E aqueles corações das bananeiras saindo das gavetas. Que tinham um nome, não tinham?

quinta-feira, 11 de junho de 2009

dia santo

E para continuar com o Vanzolini, abri a caixa de discos esta manhã. Esqueci do chá. Liguei o chuveiro e quase perco a hora ouvindo tudo embaixo d'água.

Dei com o "Samba Abstrato". Guardei e trouxe comigo para mais um feriado encastelada.

"O tempo e o espaço eu confundo
A linha do mundo é uma reta fechada
Périplo, ciclo
Jornada de luz consumida e reencontrada
Não sei de quem visse o começo
Sequer reconheço
O que é meio, o que é fim
Pra viver no seu tempo
É que eu faço viagens no espaço
De dentro de mim
As conjunções improváveis
De órbitas estáveis
É que eu me mantenho
E venho arimado um verso
Tropeçando universos
Pra achar-te no fim
Nesse tempo cansado de dentro de mim"

domingo, 7 de junho de 2009

na ilha

a beleza só serve para me arrancar da razoável zona de conforto que pude erguer ao longo dos meses. Tenho vontade de andar, de pegar o casaco longo no meio da madrugada e sair a caminhar sem rumo, para cantar no escuro as mesmas canções, para resgatar os pedaços que perdi. O mar não é simples, a paisagem não é a mesma. Tento esconder o frio no estômago, as mãos nervosas. Tento, em vão e sem trégua, calar os dedos.

quinta-feira, 4 de junho de 2009

frio com sol

E então, no meio da tarde fria, uma tarde fria com sol como só as melhores tardes sabem ser, me permiti escutar "I Should Care", com Chet. Na volta de um dos almoços nesta semana, almoços apressados, falamos dos discos do Chet Baker. E das músicas em que ele canta. Nem precisava, mas ele canta. E eu dei para ouvir os discos velhos do Chet logo ao acordar, tomando chá. E antes de dormir.
Mas a música no meio da tarde tinha um motivo. Era para embalar a mudança. Mudança de mesa, de cadeira, de chefe, de lado na redação. Era para me dar ânimo para recolher os papéis espalhados, as dezenas de livros que foram se acumulando, os jornais antigos com aqueles textos que eu não li ainda, mas sei que preciso guardar para ler um dia, as coisas inúteis que coleciono _ uma fita do senhor do Bonfim, um porta-lápis com o desenho de um faraó, uma bola cheia de água com um papai noel e purpurina a imitar a neve.
Preciso preparar um manual para o meu sucessor, cuidar das estreias da próxima semana, marcar as entrevistas para minha nova matéria, na "casa" nova. A música não deixa. "The Song Is You" parece a canção certa para se passear de carro conversível vermelho no fim da tarde em montanhas da Itália. Muito vento, um grande lenço azul para segurar os cabelos. Tudo com aquela cor, aquela aura que só os filmes dos anos 50 têm.