segunda-feira, 28 de dezembro de 2009

melado

Senhores, uma singela mensagem para o ano que se inicia: quem não gostar de pimentões, que não coma ratatouille.

terça-feira, 22 de dezembro de 2009

o gosto

O bolo de nozes, o recheio de baba de moça, os fios de ovos caídos. De uma doçura sem limites, inesgotável, inextinguível. E, desde aquele alumbramento, vivo a tentar resgatar essa torta do passado, a encontrá-la em outra receita, a revivê-la, mas é vã minha procura. Porque nada jamais teve o sabor daquela sobremesa de Natal. Talvez, porque eu não use mais a mesma saia rodada vermelha e não acredite mais no gosto das descobertas. Natal de 1991.

quarta-feira, 16 de dezembro de 2009

doçura

Falar mal de Natal é como surrar cachorro morto. Incontáveis são os seus detratores, especialistas em maldizer a ceia e as reuniões familiares ou ávidos por apregoar a sua falta de fé, o que retiraria qualquer significado dos festejos natalinos.
Pois lhes digo que nem o ateísmo, a inexistência de parentes ou a ojeriza a perus, panetones e congêneres me fizeram menos entusiasta da festa do dia 24. No réveillon, eu amargarei o ano que deu errado, e vislumbrarei o outro em que, inevitavelmente, fracassarei também. Até lá, porém, contento-me em gastar todos os pensamentos em elucubrações açucaradas. Em doces de jaca, de figo caramelado, de bananas douradas flutuando em calda. Em delírios com tortas de nozes e baba-de-moça. Em devaneios com rabanadas ou fatias paridas, como gostam de chamar alguns. E não é mesmo um nome lindo? Fatias paridas.

terça-feira, 15 de dezembro de 2009

em trânsito

O amor é longe.

domingo, 13 de dezembro de 2009

presente

Por ele eu sorria. Não importa o tempo, quanto tempo. Passei horas na loja escolhendo um presente, descobri um telefone cor-de-rosa, uma geladeira que abre com os pés, uma sombrinha de antigamente, daquelas para se passear ao sol. E mesmo querendo fugir, eu sorrio. Porque ele existe. E eu também.

segunda-feira, 7 de dezembro de 2009

açúcar

Para marcar a data, comprei-me o mais lindo par de sapatos _ altos, vermelhos, com um ar antigo. Ele ficaria orgulhoso, pensei, enquanto caminhava cambaleante.

sábado, 28 de novembro de 2009

arroubos maçantes

Qualquer idiota de plantão tem prontas as suas opiniões sobre Nelson Rodrigues. E, mesmo quem assente em despejar muxoxos elogiosos ao seu teatro, não tarda a sacar do bolso do colete, como se tivesse ficado muito tempo a matutar, a originalíssima pecha de "reacionário". Sim, porque é mais fácil ir no vai da valsa e colocar o autor no baú dos "ultrapassados".
Uma matéria no jornal de hoje traz a voz dissonante de Luis Augusto Fischer. Quem abrir o "Óbvio Ululante", "A Menina sem Estrela", "O Reacionário - memórias e confissões" e, especialmente, "A Cabra Vadia" não encontrará o tão alardeado ultraconservador, mas um pensador que ousa lucubrar para além do senso comum, que se arrisca a exagerar nos matizes para levantar outras questões, outras verdades. Que não saca as armas contra os inimigos óbvios. Prefere falar das incoerências de Vianinha, de Dom Hélder, de Ferreira Gullar.
E, 40 anos depois, os jornais continuam a circular com um repertório inesgotável de opiniões emboloradas, de argumentos enlatados, de embalagens perfumadas para ideias sem nexo.

"A opinião deixou de ser um ato pessoal, uma posição solitária, um gesto de orgulho e desafio. há sujeitos que nascem, envelhecem e morrem sem ter jamais ousado um raciocínio próprio. Há toda uma massa de frases feitas, de sentimentos feitos, de ódios feitos".

segunda-feira, 16 de novembro de 2009

na estrada

Minha saudade é uma fraude. Evoco um passado inventado, edulcorado, coberto de tons e matizes que eu inventei. Não sei as palavras que queria e sinto tudo como se uma névoa espessa me cobrisse. A lembrança de uma estrada empoeirada em uma tarde de sol, uma tarde coberta de tédio, me é mais cara do que tantos afetos e tantas coisas que foram ditas e vividas. Naquela tarde, enquanto o ônibus seguia, todos dormiam e eu estava sozinha, olhando a paisagem seca passar. Não sei ser só. Não sei estar com niguém sem não me sentir uma falsificação de mim.

quinta-feira, 22 de outubro de 2009

de volta

Não importa o que sentimos, eu me digo. Mas o que fazemos. O que fazemos, eu repito enquanto tento não me mover da cadeira. O dia termina, quase não há luz, mas não posso pensar em nada além de assistir ao tempo passar pela janela e de apertar sem trégua as pontas dos dedos. É assim, imóvel, que posso não causar dano algum e calar e manter comigo, só em mim, todas as perdas.

terça-feira, 15 de setembro de 2009

da diversão em dias nublados

Aforismos me divertem mais do que sorvete em sábado de sol.

"Os homens são os únicos animais que se devotam diariamente a tornar os outros infelizes. É uma arte como outra qualquer. Seus virtuoses são chamados de altruístas."

quinta-feira, 10 de setembro de 2009

sem metafísica


E quando a chuva termina?
Eu só queria andar ao sol

quarta-feira, 9 de setembro de 2009

o metafísico

Um metafísico é alguém que, quando você diz que dois vezes dois são quatro, ele quer saber o que você entende por vezes, o que significa dois, e o que quer dizer são e por que isso dá quatro. Por fazerem tais perguntas, os metafísicos desfrutam um luxo oriental nas universidades e são respeitados como homens educados e inteligentes.

H. L. Mencken.

quarta-feira, 2 de setembro de 2009

a quase balzaquiana passeia pela São João ou da sabedoria popular

Reverenciada, a sabedoria popular de fato não falha. Em muitos casos, porém, há que se saber decodificar os seus sinais. Nem sempre a voz do populacho deve ser tomada em seu sentido literal. Não, estimados leitores. Outra manhã, tive um exemplo bastante elucidativo ao caminhar em trajes pouco recatados pela avenida São João. Entre apupos e gritos primais, fui saudada por toda sorte de trabalhadores braçais com sinais ininteligíveis e a pergunta: Do you speak english? Hablas francês? (essa foi a minha preferida).
Pois bem, o episódio deu-me a certeza de que preciso tomar um pouco de sol, pelo menos nas pernas, e começar um severo e rigoroso regime. Cair no gosto dos populares, sabidos apreciadores da fartura, é indício inequívoco de que suas carnes andam bem mais abundantes do que o recomendável.

quinta-feira, 27 de agosto de 2009

no caderno

"A memória acredita antes de o conhecimento lembrar."

quinta-feira, 20 de agosto de 2009

véspera da primavera

À beira da porta da igreja da Boa Morte, o céu ficou momentaneamente azul para depois escurecer de novo. Passava um pouco das 8 da manhã e já estava na rua do Carmo.
Queria ter morado ali, pensei enquanto andava pela calçada. Viver em algum daqueles velhos casarões, ficar sentada na varanda vendo tudo passar mais devagar.
Depois, almoço na Castelões. Fotografias em preto-e-branco nas paredes. Canoli siciliano de sobremesa.

segunda-feira, 17 de agosto de 2009

matemática

Dançar "Moon River" de manhã na cozinha leva anos.
Pelo menos três de análise.
Mais dez de conversas com o Luís ao telefone.
E outros quatro perdidos em banhos quentes longíssimos durante as madrugadas.

sábado, 15 de agosto de 2009

conversa de botequim

Antunes tinha um lenço no pescoço. E aquela mesma jaqueta jeans que ele está sempre a usar. Não quis entrar no palco. Chamado, acenou para a plateia e saiu. Como deve ser.
Talvez "A Falecida Vapt Vupt", que ele estreou ontem no Sesc Consolação, não faça sombra ao "Paraíso Zona Norte", montagem de 1989 que eu não tive a sorte de ver. Talvez. Mas foi uma felicidade ver o caixão sonhado por Zulmira atravessando o alarido do botequim, que toma ininterruptamente a cena. E outra alegria ouvir Nelson _ não aquele trágico de "Senhora dos Afogados", mas o Nelson suburbano da Aldeia Campista_ na boca de Lee Thalor.

quarta-feira, 12 de agosto de 2009

notícia de jornal

Um dia glorioso. Logo pela manhã, uma jovem cantora cubana, Liena Centeno, alegrou o meu banho. As canções são antigas, dos anos 30 e 40, mas os arranjos novíssimos, elegantes, delicados. No caminho habitual, rumo ao batente, deparei-me com gordas jabuticabas na feira e um balde cheio de lisanthus brancos, flores que, apesar do nome esdruxúlo, ainda são as minhas preferidas.
Ah, e no jornal de hoje despontam notícias alvissareiras para novos e velhos bêbedos. Aquelas pesquisas que estão sempre a pregar as benesses da atividade física e do consumo de legumes, agora garantem que não existe nada melhor do que vinho. Está lá na página C9 da Folha. Eu sei, eu sei que eles já diziam que um vinhozinho de vez em quando ajudava, mas finalmente resolveram contar toda a verdade. Sim, quem bebe vive mais do quem come frutas, baniu o açúcar ou sai correndo desesperadamente por aí naqueles trajes ridículos de exercícios. Pelo menos cinco doses por semana, senhores. E eu pretendo começar já a minha dieta da juventude.

sábado, 8 de agosto de 2009

claridade

É uma manhã muito clara. Tão clara como me agrada que sejam as manhãs. Todo o verde da árvore é simples e a luz que toma a casa me dá ânimo para repetir que está tudo bem, que até aqui, está tudo bem. Dormi um sono inquieto. Com muitos copos de água para acalmar a sede da noite inteira. Um gosto de sal, uma ansiedade que me faz retorcer as mãos e não saber se está frio ou calor embaixo dos lençóis. Às vezes, sinto-me muito só. Sem vontade de amanhã, sem lembranças que me façam companhia, com um desejo de que nada aconteça. Bastava a manhã, o sol, a música. Nada dessa ânsia um tanto tola por entendimento, dessa tentativa de devassar o avesso, de se mostrar para além da pele, do corpo. Que mal há em não ser nunca descoberto? Se posso ficar em silêncio e crer no meu mistério. E chega, que já me confessei demais.

terça-feira, 4 de agosto de 2009

inferno astral - capítulo 2

e, acho que para me animar, ela me disse depois de ler a postagem de hoje_ você nunca será muito feia e muito pobre. Tirem suas conclusões, senhores.

inferno astral - capítulo 1

Você tem 28 anos? Mantenha-se sempre jovem.
À procura de um marido? Encontre-o já.
Aumente sua renda!

Ao abrir a caixa de emails esta manhã deparei-me com esses três amistosos anúncios publicitários_ prenúncios do meu inferno astral aberto oficialmente neste 4 de agosto.

Sim, descobrem a sua idade e lhe dão os caminhos para uma "vida feliz". Essa angústia essencial, o seu descompasso com o mundo? Ah, o sentido da ação política, a utilidade da arte? O tédio, o desgosto de não saber fazer nada, o cansaço com os dias, o cansaço de todas as espécies? O peso de sentir. A banalidade do amor. A impiedade do tempo. Deixe isso para lá dizem os reclames da maturidade. É preciso agir se não quiser atravessar a velhice muito feia, muito só e muito pobre.

sábado, 1 de agosto de 2009

questões da primavera

não se pode dizer que este seja um dos momentos mais alvissareiros dessa minha nada enfadonha existência, mas, estimados leitores, não é sempre que se faz vinte anos pela última vez. Eu, aliás, nunca acreditei que fosse passar por isso. E, de repente, cá estamos. Sem o frescor da juventude, sem a segurança da maturidade (o que quer dizer que continuo tão pobre e tola como há dez anos)
Enfim, todo esse prólogo para falar das festividades do 4 de setembro deste 2009. Como minhas férias foram canceladas e adiadas, deixei de lado os roteiros de Braga e das queijadas de Belém e dedico minhas horas de insônia ao menu do grande dia. Velhice em grande estilo. Decidi-me pela torta capixaba, que segue em fase de testes no longínquo solar dos Figueiredo de Menezes. Recebi ontem a primeira remessa. Uns ajustes aqui e ali e sairá a contento. A dúvida agora é o segundo prato _debato-me entre o bobó de camarão e a frigideira de siri.

quarta-feira, 29 de julho de 2009

atendendo a pedidos

O poema porquinho da índia é uma das minhas antigas obsessões. Mas segue aqui transcrito para atender às súplicas do meu novo bichinho de estimação.

"Quando eu tinha seis anos
Ganhei um porquinho da índia.
Que dor de coração me dava
Porque o bichinho só queria estar debaixo do fogão!
Levava ele pra sala
Pra os lugares mais bonitos mais limpinhos
Ele não gostava: Queria era estar debaixo do fogão.
Não fazia caso nenhum das minhas ternurinhas . . .

— O meu porquinho da índia foi minha primeira namorada".

Manuel Bandeira.

sábado, 25 de julho de 2009

roubado do "morte ao superego"

Maria

Inside the house there was a woman
She was young and joyful and wore white dresses
She sang during the day while she did her chores
Her voice was beautiful
Nobody had ever seen her

She never ventured outside the house
If she wasn’t allowed to, or
If she didn’t want to
Nobody knew for sure

Her skin was white, her hair was deep black
Nobody ever saw
her

Some people say
She wandered in the night
The moonlight made her skin look even fairer

They say
She swam naked in the lake
And she talked to animals and trees

One day her voice could not be heard
One day, two days, three days, four days

Maybe she was killed, or
She killed herself
Maybe she drowned, or
A snake bit her

There was no music in the house
Her name was Maria
She wore white dresses only.


claralobo.blogspot.com

mudança

estou de mudança... o endereço ficará só correiomaratimba.blogspot.com

quarta-feira, 22 de julho de 2009

Carnaval antigo ... Recife

Quem tem Antônio Maria não precisa de enciclopédias, de tratados de filosofia, de compêndios médicos ou sessões de psicanálise. Basta uma crônica breve.

No Carnaval, minhas calças eram brancas e meus sapatos de tênis. As camisas, sempre feias, variavam. Lembro-me de uma roxa, que desbotava.

No Recife, o Carnaval começava no Natal. Ou melhor, não havia Natal no Recife. A 24 de dezembro, os blocos saíam à rua, com suas orquestras de trinta a quarenta metais, seus coros de vozes sofridas, a tocar e a cantar as "jornadas" mais líricas. Chamavam-se "jornadas" alguns dos cantos carnavalescos do Recife, talvez por influência das "jornadas" dos pastoris. Agora, por que os cantos dos "pastoris" se chamavam jornadas, não sei.

Mas, na noite de 24 de dezembro, quando a gente pensava que seria uma noite silenciosa, o Vassourinhas estourava numa esquina, acordando-nos, na alma, uma alegria guerreira, impossível de explicar agora, tanto tempo e tanta fadiga são passados. Nós íamos, primeiro, às janelas, depois para a rua, até que afinal nos misturávamos ao povo, onde cada rei fantasiado, cada rainha de cetim, eram reis de verdade. Mas, reis de quê? De tudo. Da voluntariedade, do absolutismo, do amor e do futuro. O futuro de quem faziam parte.

Não se pode fazer ideia do que era o povo do Recife, solto nas ruas do Recife, após a declaração irreversível do Carnaval. Faziam parte da corte imperial mulheres morenas, que suavam, em bolinhas, na boca e no nariz. Mulheres de olhos ansiosos, presas de todos os atavismos de religião e de dor, a dançar a mais verdadeira de todas as danças _ o frevo. Ah, de nada serviam suas heranças de submissão, porque o despontar do Carnaval era um grito de alforria. E seus corpos, seus braços, seus pés, teriam sido repentinamente descobertos, assim que os clarins do Batutas de São José romperam o silêncio a que os humildes eram obrigados. Tão louca e tão bela, aquela dança! Uma verdade maior que as verdades ditas ou escritas saía dos seus quadris, até então bem-comportados.

Se fosse possível descrever, em palavras, a introdução, ao menos a introdução, da marcha do clube das Pás! Mas é possível dar uma ideia do que se passava por dentro de mim, que me sentia, inopinadamente, órfão e livre, desapegado de tudo e de todos. Eu era mais que um guerreiro. Era o vento. Cada homem e cada mulher era uma parte daquele furacão libertário. Todos se emancipavam (eu digo por mim) e se tornavam magnificamente dissolutos... porque o clarim estava tocando, porque os estandartes se equilibravam no espaço, porque o mundo, naquele exato e breve momento era, afinal, de todos.

Tudo deve estar mudado. O Carnaval do Recife talvez não seja, hoje, um desabafo. Talvez não contenha aquele desafio de homens e mulheres, livres de todas as sujeições e esquecidos de Deus. É possível que se tenha transformado numa festa, simplesmente. Talvez seja alegre e isto é sadio. Mas os meus carnavais eram revoltados. Não tenho a menor dúvida de que aquilo que fazia a beleza do carnaval pernambucano era revolta _ revolta e amor _ porque só de amor, e por amor, se cometem gestos de rebeldia.

Muitas vozes, de madrugada, o menino acordava com o clarim e as vozes de um bloco. Eles estavam voltando. O canto que eles entoavam se chamava "de regresso". Não sei de lembrança que me comova tão profundamente. Não sei de vontade igual a esta que estou sentindo, de ser o menino que acordava de madrugada, com as vozes de metais e as vozes humanas daquele Carnaval liricamente subversivo.

Meu quarto era de telha vã. Minhas calças, brancas. Meus sapatos, de tênis. Meu coração, inquieto. E nada tinha sido ainda explicado.

Antônio Maria, 7/2/1964

terça-feira, 21 de julho de 2009

tem, mas acabou

Amigos e problemas: não há vagas.

previsão do tempo

Pelo vidro fosco não é possível ver nada, mas dá para saber que faz sol. O que já é em si uma grande coisa. Pelo menos desde que dei para padecer dessa ansiedade nórdica pela luz e a vasculhar com método e devoção as previsões meteorológicas. Parece loucura, eu sei. Mas uma moça doidivanas precisa estar sempre atenta a novas idiossincrasias para manter o seu encanto e a sua reputação.

sábado, 18 de julho de 2009

por que maratimba?

Como era de costume, os Braga partiram para suas férias anuais em Marataízes. Rubem chegava do Rio, onde estudava direito na Universidade Federal. Aos 17, já escrevia editoriais furiosos, envolvia-se em querelas políticas, e contribuía regularmente com o “Correio do Sul”, jornal que a família fundara em Cachoeiro.
1930. Não era um ano fácil. Não era. Desde que os paulistas romperam com o pacto e indicaram Julio Prestes à presidência da República, o movimento oposicionista se intensificara. A quebra da Bolsa de Nova York em 1929, Getulio marchando em direção ao Rio de Janeiro, a deposição de Washington Luís.
Mas aquele era também um carnaval. “Taí” era a marchinha de sucesso. E Rubem era o melhor nadador da praia do Siri. Só queria falar da preguiça, do sol, das meninas, do vento. Seriam suas notas de verão. E resolveu juntá-las e publicá-las no tal “Correio do Sul” com o nome de “Correio Maratimba”.

quinta-feira, 16 de julho de 2009

mais mencken

O adultério é a democracia aplicada aos relacionamentos.

quarta-feira, 15 de julho de 2009

santa izabel - parte 2

Foi pela avenida Ipiranga que o ônibus passou. As crianças penduradas às janelas, os gritos. Meu saudosismo flagrante mostra-me que envelheço mais depressa, sempre mais e mais.
O destino de nossa excursão anual era uma vila nas montanhas, bem perto de Domingos Martins. Ficava quase à beira da rodovia e era um povoado de uma rua só. Bem à entrada, estava uma grande casa de padres, na qual passaríamos o dia inteiro. Descíamos do ônibus direto para um pátio onde nos serviam o café da manhã. Uma bacia plástica com fatias de pão de forma. Vidros transparentes cheios de mel. Potes de margarina e garrafas térmicas com café e leite. No final da mesa, ficava uma panela grande de alumínio, cheia de canjica.
Depois, era hora de ir à capela. As paredes esverdeadas guardavam imagens dos santos e bancos envernizados de madeira. Quase ninguém gostava dessa hora. Mas a pequena devota que eu fui, ressentia-se das risadas e cochichos. Era a ansiedade incontida pelos banhos na piscina de cimento. O chão coberto de limo e a água gelada a não poder mais, que vinha de uma fonte no alto do morro.

terça-feira, 14 de julho de 2009

santa izabel - parte 1

Era difícil dormir. De vez em quando ia até a janela para ver se já havia amanhecido. Mas estava escuro ainda. E o remédio era continuar na cama até as 6h, fazendo um esforço, sempre inútil, para não pensar em nada e pegar no sono.
Na hora marcada, o ônibus estava no pátio. Pais plantados diante das janelas para se despedir. Mas eu sempre ia sozinha, então ficava olhando as mães alheias com sua infinidade de recomendações e acenos de mão. Todo ano, o caminho era o mesmo, o passeio até Santa Izabel era sempre o mesmo. E nisso estava a graça. As crianças falavam, gritavam e cantavam coisas tolas, que eu insistia em recriminar.
Entre resmungos, pedia para ir à janela e ficar vendo a subida da serra, as montanhas. Em um ponto da estrada havia uma fonte de água mineral. Famílias paravam os carros para encher suas garrafinhas. E eu ficava esperando a fonte aparecer. Sabia que logo depois da curva viria Vista Linda, um mirante no alto de um morro, cheio de chalés horrendos e umas poças de água que eles chamavam de lagos. Era feio, feiíssimo e eu adorava.

domingo, 12 de julho de 2009

mais mencken

Estou deslumbrada por esse homem. Trintonas separadas, consolai-vos.

Todo marido começa por beijar uma garota bonita _sua esposa_ e termina maquiavelicamente evitando beijar aquela com quem ele partilha diariamente as refeições, os livros, as toalhas de banho, a carteira, os parentes, as ambições, os segredos, as doenças e os negócios _um procedimento tão romântico quanto mandar que lhe engraxem os sapatos. Nem mesmo o inato sentimentalismo do homem consegue superar o desgosto e a chatice disso tudo. E nem mesmo a capacidade histriônica da mulher pode ver nisso sombra de volúpia ou espontaneidade.

sábado, 11 de julho de 2009

depois do 7 do 7

Logo depois da peça da Fernanda, regressei a Sartre e Beauvoir para abandoná-los novamente semanas depois. Há alguns dias, porém, retomei a biografia deles _a biografia da relação dos dois que andava lendo. Terminei hoje pela manhã. Com chuva, frio, cobertores e chá de capim cidreira. E encontrei uma frase que gostaria de ter escrito na sua carta de aniversário.

Uma coisa não mudou e não pode mudar_ não importa o que aconteça e o que eu venha a ser, virei a ser o que eu for com você.

sexta-feira, 10 de julho de 2009

da chuva e suas revelações

Uma tarde chuvosa pode ser uma incrível fonte de descobertas. Entre as novidades da livraria, encontrei o incrível "livro dos insultos", do incrível H. L. Mencken. Um sujeito mau e desagradável. Absolutamente adorável.



De fato é melhor dar que receber. Por exemplo_ presentes de casamento.



Quanto mais envelheço, mais desconfio da velha máxima de que a idade traz a sabedoria.



Pode ser um pecado pensar mal dos outros, mas raramente será um engano.



É muito difícil acreditar que um homem esteja dizendo a verdade quando você sabe muito bem que mentiria se estivesse no lugar dele.

quinta-feira, 9 de julho de 2009

persuasão

Mais um feriado na Barão de Limeira. Saldo negativo no banco, aquelas velhas querelas. Mas quem se importa?
Café com jornal na padaria, Ray Charles na vitrola, sol (!). Para completar minha felicidade frouxa, descubro que a árvore diante da janela não perdeu uma folha sequer desde o começo do inverno. Ah, e estreio o meu novo vestido de bolinhas.

terça-feira, 7 de julho de 2009

muitos anos de vida...

Tanto tempo e ainda não me acostumei com os aniversários. É sempre aquela falta de jeito, um certo acanhamento, um medo de ter que repetir palavras que não significam nada. São elucubrações adolescentes e tolas, eu sei. Qual o grande problema afinal de dizer "feliz aniversário"?
Mas o fato é que sou incapaz. Confesso. Eu tento, ensaio diante do espelho... mas essa história de parabéns soa inevitavelmente ridícula na minha boca. Tem gente que não revela a idade. Há quem não consiga fazer declarações de amor. Esta pobre escriba proletária tem fobia absoluta das frases feitas da tal data querida.
Em abril liguei para o Chico. Falamos da vida, da idade, do tempo. Fizemos pilhéria da velhice. E desligamos sem as palavras fatídicas. Sei que ele entendeu. Sei que ele também não consegue. Alguma incapacidade herdada geneticamente.
De qualquer maneira, hoje à noite (no meu aniversário preferido entre todos os aniversários) irei recriminar os convivas silenciosamente durante os festejos. Porque essa gente não aprende que é "parabéns a você" e não "para você". E também não tem essa história de muitas felicidades... É no singular. Porque uma só já é bem difícil arrumar.

domingo, 5 de julho de 2009

segunda-feira ao sol

E eu precisava do cinza para compor a paisagem.
Vesti a roupa escolhida na véspera. Levantei depois de horas sem dormir, depois de tranquilizantes, cartas sem sentido e canções que me fizessem chorar. Pensei em flores, em margaridas. No vestido que usava quando passeamos na praça. Devaneios com mármores, com escadarias funestas, com véus. E a certeza da tempestade lá fora, da água, do assovio do vento.
Mas, aberta a cortina, revelou-se um mar esverdeado. Seguro de sua beleza, intacto. Pessoas caminhavam ao sol. Inconvenientes. Um dia inteiro que despertara alheio, e me abandonava ainda mais só com meu espanto.

aqueles dois

Não somos bons de despedidas
Passeamos lado a lado, os ombros tocando-se.
Já está começando a escurecer.
Estás pensativo, eu não digo nada.

Entramos nesta igreja para ver
alguém está sendo enterrado, batizado, se casando,
depois vamos embora, sem olhar um para o outro.
Por que é que para nós nada dá certo?

Vamos sentar na neve pisoteada
do cemitério, suspirando de leve.
Com a ponta da bengala, traçarás palácios
em que viveremos felizes para sempre

Anna Akhmátova
São Petersburgo, 1917

quinta-feira, 2 de julho de 2009

delírio da escriba proletária

Previsão de chuva. E só consigo pensar na folga de amanhã. Frio, cobertor, filme, brigadeiro. Exatamente nessa ordem.

quarta-feira, 1 de julho de 2009

mentiras cor de rosa

E a bobagem escrita ontem achei em um caderno velho. 2000. Qual era o braço? E que segredos teria eu agora a partir? Coloquei aqui para ver se faria algum sentido repetir palavras velhas. Se seria ainda capaz de suor e taquicardia. A minha febre é morna.

terça-feira, 30 de junho de 2009

febre

Espero assim, suor e taquicardia, o dia em que nossos segredos se partirão, em que as palavras não sejam poucas e difíceis. Quando só os olhos pairarem, só o desenho do braço em que me deixarei, sem o peso de letra alguma.

domingo, 28 de junho de 2009

cinza

E, apesar do cansaço, da carne fria, da cor do tempo na casa, das folhas que caem há tanto diante da janela, o inverno está apenas começando.

quarta-feira, 24 de junho de 2009

biscoito Maria

quando não sei ao certo como começar o dia pego o livrinho, uma seleta de prosa do Bandeira que fica aqui na mesa, e abro a esmo. Às vezes é só para ler um parágrafo, virar a página e mudar de história. Às vezes é para recorrer a outro livro qualquer. Porque João do Rio, Machado e Rubem Braga também ficam enfileirados ao lado do computador para me socorrer em qualquer emergência.
Mas o início da saga é sempre pelo livro do Bandeira, que é menorzinho, amarelado e com um jeito de que não quer chegar a lugar nenhum. Uns casos à toa, detalhes inúteis, notícias sem serventia, velharias do Rio de anos passados. E assim consigo esquecer de apertar as mãos, de machucar os dedos, e fico só a pensar nos relatos de hemoptises fulminantes, no pátio da igreja em dia de festa de N.S. da Glória do Oiteiro, em um velório perdido no tempo em que se servia vinho do Porto com biscoito Maria.

quinta-feira, 18 de junho de 2009

relendo notícia de jornal

Enlevada por sonhos comezinhos, ideias sem frescor. Devotada a princípios frouxos, desbotados. Encoberta pelo véu de suspiros incovenientes que não consegue conter, enamorada da própria melancolia. Tola, nada além de uma menina bem-comportada. Uma moça triste que errou na dose, errou no amor, errou de João.

quarta-feira, 17 de junho de 2009

terça-feira, 16 de junho de 2009

geometria

Há muito método em se perder.

segunda-feira, 15 de junho de 2009

pré-coisas

Seguir um mesmo itinerário no ônibus, pela manhã, dá-me um tempo para gastar em coisas inúteis, reminiscências, nódoas do tempo, manchas que insistem.

"As coisas que acontecem aqui acontecem paradas. Acontecem porque não foram movidas. Ou, então, melhor dizendo - desacontecem."
Manoel de Barros

domingo, 14 de junho de 2009

domingo

Acordo sobressaltada com o telefone que toca cedo. Medo de ter perdido a hora, de acordar em um dia desconhecido, em um futuro em que não sei me mover. Temo a proximidade da morte, os seus redemoinhos. A cabeça lateja sem trégua e as nuvens entrevistas pela fresta da grande porta de vidro são a única esperança de alívio.


"Tempo do corpo este tempo, da fome
Do de dentro.
Corpo se conhecendo, lento,
Um sol de diamante alimentando o ventre,
O leite da tua carne, a minha
Fugidia.
E sobre nós este tempo futuro urdindo
Urdindo a grande teia.
Sobre nós a vida
A vida se derramando. Cíclica. Escorrendo".

Hilda Hilst - Júbilo, Memória, Noviciado da Paixão

sábado, 13 de junho de 2009

de longe

Porque há dias que valem por meses. E, no momento mesmo em que tudo acontece, é possível saber quais as imagens a serem guardadas e evocadas à exaustão anos depois. A avalanche das coisas mínimas. Todo o desespero que há nos detalhes. O portão de ferro carcomido, o cadeado aberto. A estrada branca, enevoada. A chuva cobrindo tudo e a esperança do sol, longe. E aqueles corações das bananeiras saindo das gavetas. Que tinham um nome, não tinham?

quinta-feira, 11 de junho de 2009

dia santo

E para continuar com o Vanzolini, abri a caixa de discos esta manhã. Esqueci do chá. Liguei o chuveiro e quase perco a hora ouvindo tudo embaixo d'água.

Dei com o "Samba Abstrato". Guardei e trouxe comigo para mais um feriado encastelada.

"O tempo e o espaço eu confundo
A linha do mundo é uma reta fechada
Périplo, ciclo
Jornada de luz consumida e reencontrada
Não sei de quem visse o começo
Sequer reconheço
O que é meio, o que é fim
Pra viver no seu tempo
É que eu faço viagens no espaço
De dentro de mim
As conjunções improváveis
De órbitas estáveis
É que eu me mantenho
E venho arimado um verso
Tropeçando universos
Pra achar-te no fim
Nesse tempo cansado de dentro de mim"

domingo, 7 de junho de 2009

na ilha

a beleza só serve para me arrancar da razoável zona de conforto que pude erguer ao longo dos meses. Tenho vontade de andar, de pegar o casaco longo no meio da madrugada e sair a caminhar sem rumo, para cantar no escuro as mesmas canções, para resgatar os pedaços que perdi. O mar não é simples, a paisagem não é a mesma. Tento esconder o frio no estômago, as mãos nervosas. Tento, em vão e sem trégua, calar os dedos.

quinta-feira, 4 de junho de 2009

frio com sol

E então, no meio da tarde fria, uma tarde fria com sol como só as melhores tardes sabem ser, me permiti escutar "I Should Care", com Chet. Na volta de um dos almoços nesta semana, almoços apressados, falamos dos discos do Chet Baker. E das músicas em que ele canta. Nem precisava, mas ele canta. E eu dei para ouvir os discos velhos do Chet logo ao acordar, tomando chá. E antes de dormir.
Mas a música no meio da tarde tinha um motivo. Era para embalar a mudança. Mudança de mesa, de cadeira, de chefe, de lado na redação. Era para me dar ânimo para recolher os papéis espalhados, as dezenas de livros que foram se acumulando, os jornais antigos com aqueles textos que eu não li ainda, mas sei que preciso guardar para ler um dia, as coisas inúteis que coleciono _ uma fita do senhor do Bonfim, um porta-lápis com o desenho de um faraó, uma bola cheia de água com um papai noel e purpurina a imitar a neve.
Preciso preparar um manual para o meu sucessor, cuidar das estreias da próxima semana, marcar as entrevistas para minha nova matéria, na "casa" nova. A música não deixa. "The Song Is You" parece a canção certa para se passear de carro conversível vermelho no fim da tarde em montanhas da Itália. Muito vento, um grande lenço azul para segurar os cabelos. Tudo com aquela cor, aquela aura que só os filmes dos anos 50 têm.

sexta-feira, 22 de maio de 2009

Valsa

Pensei em não começar porque sabia que não tinha um fim para essa ideia. É um costume de escolher primeiro as últimas palavras. De saber terminar um texto antes de ter um esboço do início.
Mas talvez fosse tolo desperdiçar a sensação que trago agora, que talvez não me leve a dizer grande coisa. E, por fim, também não seria justo me negar o gosto de rememorar essa história quase sem sentido.
Sentada em uma arquibancada do colégio, de costas para a quadra e para o jogo de basquete do qual eu deveria estar participando. Tentava decorar um texto. Valsa n 6. Acho que era Valsa n 6. E duas meninas passaram atrás de mim e riram. Devia ser mesmo um tanto ridículo.
Tudo me surgiu, porém, como um misto de vergonha e orgulho. Uma prova de não ser uma igual. Um certificado de inaptidão para aquela vida, um salvo-conduto para a liberdade. Um traço infantil que teimo em sublinhar quase diariamente na minha maledicência, tantas vezes encenada, na minha intolerância, criada e reafirmada. Na minha indignação, um tanto falsa.

segunda-feira, 18 de maio de 2009

esperando o elevador

Há uma foto da Clarice logo na entrada do elevador. Quase de perfil, envolta em certa fumaça, uma névoa, uma luz branca que toma o fundo.
Ao longo do corredor, surgem umas tantas outras imagens. Do Nelson com um semblante de "não me fotografem", do Volpi andando por uma calçada mal-cuidada no Cambuci (será que o bairro é esse mesmo?), de tantos outros e de tantas outras coisas. Registros de enchentes e de copas do mundo. A primeira faixa de pedestres da cidade, ali no viaduto do Chá. Mas, fico sempre com o tal retrato da Clarice. Mesmo sendo em preto e branco, sempre imagino um batom vermelho, vermelhíssimo. E as mãos que não aparecem, é como se eu pudesse vê-las apoiadas sobre o colo, sobre as pernas cruzadas.

sexta-feira, 8 de maio de 2009

da histeria pessoal e intransferível

Perco-me em meio a tanta gente, tantas companhias. Porque sempre foi preciso uma dose de solidão, algum grau de confinamento e angústia para que eu me sentisse verdadeiramente acolhida.

terça-feira, 5 de maio de 2009

desordem

Descobri que venho aqui quando tenho algum outro texto para fazer. Quando preciso de palavras para contar alguma coisa e não sei ao certo por onde começar. E aí, talvez, começar a escrever bobagens seja um jeito de ir me acostumando.
Os dias seguem todos tão parecidos. As resoluções, as mudanças que decido colocar em prática no dia seguinte terminam sempre esquecidas, deixadas de lado. E antes de dormir eu torno a renovar minhas promessas: acordar mais cedo para ler antes de vir trabalhar, não deixar a louça se acumular em pilhas sem fim, colocar o espelho na parede.
Quando o chuveiro queimou ontem à noite, tive daqueles desesperos súbitos. Aquela vontade de sentar no chão e maldizer a vida. Porque estou só, porque o chuveiro falha quando preciso tanto de água quente para me sentir melhor, porque, em mim, tudo parece fora de lugar.

terça-feira, 21 de abril de 2009

da seriedade cinzenta

E este feriado cinzento me trouxe de volta ao correio. Aprisionada na masmorra da Barão de Limeira, as tarefas a cumprir são tantas (e eu ainda não fiz a lista de tarefas de hoje...) que vir escrever bobagens aqui parecia o jeito mais fácil de me sentir de folga.
Durante o retiro pascoal no Rio de Janeiro, tive muitas ideias para cá, para este compêndio virtual. Tudo se perdeu, porém, nas ruas sujas de Copacabana. Ainda no avião, entre aqueles avisos usuais, o piloto disse que em poucos minutos iríamos descer no "mais belo aeroporto do mundo". Claro que amaldiçoei o pobre, e pensei "Idiota. Não basta dizer o nome do aeroporto e pronto?"
Mas confesso que tive lá meus rompantes sentimentais quando vi a pista do Santos Dumont, a Ilha Fiscal, o mar...

Três dias depois, em Congonhas, não houve quem falasse em beleza. No máximo aquele "São Paulo, tempo encoberto". E eu pensei que estava, enfim, no lugar certo. Porque toda essa alegria carioca, toda essa "joie de vivre" que faz até os comandantes de aeronaves se acharem no direito de emitir seus juízos sobre a paisagem, não é coisa muito séria.

sexta-feira, 3 de abril de 2009

imprensa marrom

E não é que teve gente que até sentiu falta do correio...
Mantendo a linha presidencial... pulei do Floriano para o Jânio... e passei os dias sem escrever para ver se alguém afinal reclamava do silêncio e me pedia para ficar.
Passei a tarde no teatro, entre entrevistas. Por vezes, tudo parece subitamente bom... mas é para desandar logo depois.
Páscoa programada para o Rio de Janeiro. Os Figueiredo de Menezes decidiram que o bacalhau deste ano deveria ser diante da av. Atlântica. Que assim seja.

Ah, mas voltando a tratar da morte e enterro do correio. Há planos de uma outra página. Algo com pseudônimo para que eu possa, enfim, deixar fluir a minha verve imprensa marrom.

quinta-feira, 19 de março de 2009

da sapiência de floriano peixoto

Logo agora pela manhã, dentro do ônibus, pensei no iminente e inevitável fim deste correio.
Porque, afinal, é um tanto esquizofrênica essa história de ter um blog. E eu fico tentando dizer tudo de uma forma cifrada, para não parecer ridícula ao extremo... mas creio que só consigo parecer incompreensível e, ainda assim, ridícula.

No início, quando me pus a escrever aqui, só queria um espaço que me criasse uma sensação de obrigação, que me forçasse a escrever _uma impressão aqui, outra ali_ sobre as peças todas que acabo assistindo por dever do ofício.
O fato é que nunca escrevi uma palavra sobre teatro. Tenho uma inaptidão congênita para o elogio... e sei lá se posso sair escrevendo por aí todos os meus vitupérios. E se alguém descobre e me despede? E se algum diretor raivoso escreve para me delatar?
Posso fechar o correio e abrir finalmente a gazeta do horror. Mas, como diria Floriano Peixoto, melhor dormir uma noite sobre os acontecimentos.

quinta-feira, 12 de março de 2009

como ela

Finalmente instalei a tal internet rápida. Pode parecer trivial, mas me parece muita modernidade. Um jeito a mais de desperdiçar o tempo nas noites de insônia.
Ontem não pude dormir. Senti frio, calor, frio. Descobria os pés, cobria a cabeça. Do jeito que ele sempre me disse que eu fazia.
Peguei no livro antes do dormir. E me distraí pensando na última vez em que a vi. No domingo ensolarado, logo depois de passar diante do mar. Os olhos fechados, o rosto magro, irreconhecível quase. A mão franzida de um jeito, o punho cerrado, como se os dedos estivessem todos colados. Tive saudade e medo. Remorso por desejar fugir. E me senti patética por querer chorar. Não podia chorar. Seria ser tão fraca quanto ela.

segunda-feira, 2 de março de 2009

passeio

A falta de inspiração me joga de volta ao velho mal-estar. A página em branco e aquela certeza triste de não ter o que dizer e de não saber as palavras mesmo para falar das coisas mais simples, aquelas que poderiam fazer algum sentido.
Gosto de andar de carro e ficar vendo tudo passar pela janela, emoldurado. Sentada no banco de trás, assistindo alheia como, afinal, as coisas no mundo acontecem. Aquela mesma fragilidade infantil que insiste em não passar, aquele mesmo medo antigo. Enquanto tudo desfilava diante da janela, pouco depois de uma curva, lembrei-me de um domingo distante. Sentada num canto da varanda, com o caderno amassado nas mãos. E foi a primeira vez em que o desamparo me surgiu como uma condição da qual não conseguiria me livrar com o passar dos anos, em que todas as histórias inventadas, aquelas de ilhas perdidas e navios naufragados (de que a vovó gostava tanto), me pareceram irremediavelmente tolas e desinteressantes.

quarta-feira, 25 de fevereiro de 2009

todo carnaval tem seu fim

O sol sumiu para não atrapalhar a quarta-feira de cinzas. E eu pensei e arrisquei algumas canções na vitrola antes de partir para o batente, mas acho que a música do dia só poderia ser "Sonho de um Carnaval"


"Carnaval, desengano
Deixei a dor em casa me esperando
E brinquei e gritei e fui vestido de rei
Quarta-feira sempre desce o pano

Carnaval, desengano
Essa morena me deixou sonhando
Mão na mão, pé no chão
E hoje nem lembra não
Quarta-feira sempre desce o pano


Era uma canção, um só cordão
E uma vontade
De tomar a mão
De cada irmão pela cidade


No carnaval, esperança
Que gente longe viva na lembrança
Que gente triste possa entrar na dança
Que gente grande saiba ser criança"

domingo, 22 de fevereiro de 2009

carnaval, desengano

Depois da manhã encastelada na masmorra, tarde de compras com ela, que só falava em vestidos, vestidos, vestidos. Daí, o aniversário no Jóquei e eu não imaginava que pudesse ficar tão bonito o anoitecer assim, com verde e cavalos emoldurados pelos prédios imensos, as luzes da cidade. Acho que não posso dizer mais nada sem cair em um ridículo atroz.
Ontem, não me lembrei de escutar a música. Mas, hoje, distraída, coloquei um disco antes de sair para o trabalho e apareceu a tal "Manhã de Carnaval".

sábado, 21 de fevereiro de 2009

manhã de carnaval

Enfim, deve ser cansaço. E muita vontade de ver o mar.
O carnaval nunca quis dizer nada, não me traz nenhuma lembrança, mas não deixa de ser bonito dizer "quarta-feira de cinzas". De cinzas.
Mesmo sem ter visto nenhum desfile vou ligar a televisão na tarde de quarta para ouvir a apuração e esperar que a Mangueira seja campeã. Porque é bom ter alguma coisa que se repita ao longo dos anos, um ritual qualquer, por mais prosaico e inútil que pareça se apegar a algo assim, tão sem importância.
Acho que faz sol lá fora. Livros e jornais velhos se amontoam nessa mesa triste de escritório. E assim deve seguir o feriado. Quero ouvir "Manhã de Carnaval", do Antônio Maria, antes de o dia acabar.

terça-feira, 10 de fevereiro de 2009

canção do dia

Assim como nas festas de Revéillon, quando costumamos eleger uma primeira música para o novo ano, dei para escolher a primeira canção do dia, um mote para as manhãs, uma inspiração qualquer, algo que possa se impregnar às horas que estão por vir, todas trancadas nessa sala sem janelas, sem sol.

quarta-feira, 4 de fevereiro de 2009

mais romance

Tendo a confiar na memória, a crer que algo vai restar, que saberei guardar ao menos uma parte de todas as palavras e frases, de todas as passagens nas quais tive o ímpeto de parar e prossegui, sem marcar as páginas dobrando-lhe os cantos (como gosto de fazer para o horror dos mais cuidadosos), sem usar a caneta ( para o horror de quase todos aqueles que se deparam com os meus livros riscados).
No mais, da leitura da madrugada só ficou uma sentença, uma meia sentença, e é melhor escrevê-la antes que escape também.
"E há que preencher aquele vazio que aumenta segundo a segundo, com alguma coisa, qualquer coisa _mas estamos despreparados para o vazio".

segunda-feira, 2 de fevereiro de 2009

romance

Foi rápido. Ainda que os dias tenham passado sem que fosse possível dar por conta, ainda que o tempo pareça cada vez mais e mais ligeiro, o livro se impôs, seguiu sem atropelos até a centésima página e despertou o ímpeto, um sem número de vezes, de guardar certas frases, de reler passagens para tê-las na memória.

"Nada do que não foi poderia ter sido". Ele escreveu.

terça-feira, 27 de janeiro de 2009

som

Não tenho vontade de escrever. E ela me diria, de chofre: então, não escreva.
Despertei com aquela frase meio gasta na cabeça e dela não consegui me livrar ao longo da manhã: "A vida é uma história contada por um idiota, cheia de som e fúria, que não significa nada..."

segunda-feira, 26 de janeiro de 2009

dia 26

Todos os aniversários, todas as festas me levam inevitavelmente a esse dia 26 de janeiro. E eu torno a rever todos os momentos daquela tarde de verão. O hospital, o vestido listrado de azul e branco, o maiô vermelho que ela usava na véspera. Não consigo saber nada do seu último aniversário, nenhuma imagem daquele último 26 de janeiro. E então, com medo, repito eternamente o nosso primeiro encontro, repito para não esquecer.

terça-feira, 6 de janeiro de 2009

L.G.

De quando em quando tenho ímpetos de lhe fazer rasgadas declarações de amor. Mas termino por me ater à simples recordação de todas as palavras doces que ele me entregou ao longo dos anos. Da segurança que só o seu afeto sem medida me traz, do riso que só as suas histórias conseguem despertar. O correio anda meio parado, amor. Porque eu continuo a dar voltas no mesmo lugar, a me perder em culpas que não sei perdoar. Aquela velha ladainha.