terça-feira, 24 de julho de 2012

da estação

Aqui, não faz verão. Sempre uma luz pouca. Um sol falho, enganador. Havia a sensação de que o dia, ao menos desta vez, iria durar. Agora, não será como antes - repetia. Agora, não. Não haverá escuro. Todo o tempo será de festa e claridade. Engano. Aqui, já lhe tinham dito, não faz verão. Tudo não foi mais do que uma pausa no seu outono. Um falso alarme da estação que não vem.

segunda-feira, 14 de novembro de 2011

feriado no metrô

Era o sino da igreja. O barulho dentro da estação de trens vinha do sino anunciando o meio-dia. Um dia escuro e úmido. De pessoas vestidas com desleixo e panos compridos. De passos sem muita pressa. Já era meio-dia, correr não servia mais. Sentado no banco, o homem carrega aquele maço de flores muito vermelhas. Flores gordas e inchadas. A voz mecânica dentro do trem anunciava a parada seguinte. Ele se levantou. E só então deu para ver o cansaço. O corpo mole, caindo sobre si, escorava-se à porta de vidro. O suor a descer espesso pelo pescoço ignorava o frio. O ramalhete em cor pendia das mãos. Mole também.
Talvez ele tivesse bebido a noite inteira. Ou não tivesse conseguido dormir. E aí teria ido ao bar logo cedo. Pedido qualquer coisa forte que lhe tirasse o peso. Pensado na ideia de lhe levar rosas entumescidas. O arranjo ajeitado com papel, as folhas a encobrir qualquer falta, qualquer espaço vazio. Era como um bicho morto que embalava nos braços. Arrastado por muitos anos, um cadáver que ele poderia trocar por um pouco de paz. Planejara tudo: Estenderia os braços para a entrega e falaria de beleza quando ela lhe sorrisse e sorriria. Quando a porta abriu, ele deu só cinco passos curtos. Descobriu sem espanto a estação central. O vermelho pálido dos tijolos, o encarnado gritante nas mãos. A morte que não se dá de presente.

terça-feira, 27 de setembro de 2011

moto contínuo

Parece só repetição. Há, então, o enjôo de sentir. E o enjôo por sentir de novo. Por mais uma vez ter vontade de esquecer e caminhar só ao fim do dia.

segunda-feira, 26 de setembro de 2011

volta para casa

Havia o caminhão. Parado rente à calçada, tomado de pedaços de tronco, de folhas caídas e restos de mato. Havia barulho. O som da serra cortando. Dos homens que gritam, como a saudar cada galho que tomba. É um medo. Um frio na palma das mãos até saber se a árvore que vai embora é a minha. Existe a vertigem de imaginar a paisagem nua. Tudo tão cru e tão claro. Existe o instante que antecede a perda.

terça-feira, 13 de setembro de 2011

teoria do drama burguês

Escapa-se do vício. O que não quer dizer que o vício escape da gente. Basta um estalo, e eis o silêncio tornado em tempo de reverência. As palavras viram só ensaios do que não se pôde dizer. Os gestos, as mãos, a pele: é tudo um remendo inútil do que não é mais. Um afeto torto, uma febre morna, um pedaço de carne que definha devagar.

quinta-feira, 28 de julho de 2011

melodrama 38º

Fazer o quê? Se a gente teima em escrever quando não devia, em dizer o que não pensou - ou o que só passou a pensar depois que disse. Fazer o quê? Levantei-me, peguei um táxi e pedi ao motorista que me conduzisse até o hospital. E quando o melodrama faz parte do seu sangue tudo o que poderia ser apenas levemente desagrádavel se torna um vislumbre da morte. Sim, é exagero. Fazer o quê? É o corpo que aprendeu a temer paredes brancas, a retesar-se com o cheiro de éter. São as mãos que ficam frias diante das agulhas. Não sou eu. Eu sei que não é preciso ter medo. Eu sei que se sobrevive e se continua. Eu sei estar só e sei pedir socorro. Mas, às vezes, tudo escapa. Fazer o quê?

sexta-feira, 15 de julho de 2011

sueños hay que verdad son

Não escrevo mais porque escrevo muito. Escrevo enquanto ando e perco as palavras para elas não sobrarem comigo.
Eu aprendi a apagar as luzes para ficar sozinha no escuro. Longe da luz se é mais só. O corpo estendido em lençóis brancos é mais corpo porque faz escuro. Faz tempo que eu não vejo nada.
A estrada é a mesma - eu sei - e havia nela o mesmo azul. Eu era outra. Não era.
Continuo cantando para não sobrar silêncio. O que foi uma vez continua sendo.
Sem lâmpadas dá para ver o dia terminar. O peso que se dobra sobre mim e me verga os ossos sou eu mesma. O teu nome não está na minha boca, mas como é difícil cuspi-lo.