quarta-feira, 5 de maio de 2010

presente

Em uma caderneta eu escrevi, sem muito método, um pequeno diário de viagem. Descrições sem muito élan, pedaços de acontecimentos, impressões. Era só um jeito de deixar rastros para memória, pistas para poder reconstruir, de algum jeito e em algum momento, o que foram aqueles dias.
Porque os dias, enquanto são dias a atravessar, aparecem salpicados de pequenas imperfeições, de palavras e imagens fora de lugar, de cenas que deveriam ter tido prólogo e trilha sonora, mas não tiveram. Porque sou um pouco incapaz de estar no presente, porque parece que existe sempre uma névoa espessa, persistente, a recobrir o agora.
O diário é então a possibilidade de alimentar a memória para que ela devore tudo e edite o tempo, um tempo em que eu me senti cansada, melancólica ou com vontade de dormir no meu travesseiro sem ver ninguém, mas que poderá ser evocado, em breve, como a primavera em que deitei na grama e contemplei Florença, e corri sorrindo tolamente pela piazza San Marco e descobri que andar pela rua dos Douradores é como voltar para casa.