quarta-feira, 22 de setembro de 2010

afagos

Faz sol. E essa é sempre uma alegria. Não importa o que virá depois. Eu me contento com a luz da manhã, e a árvore diante da janela. E em ver os passantes que passam de outro jeito quando o céu não é cinza.
No trajeto diário, eu penso nas mesmas coisas, como se fosse eu mesma uma repetição da paisagem, e ensaio os mesmos diálogos. Corrigindo uma palavra aqui, outra acolá. Mas terminando sempre por olhar os trens indo embora da plataforma, como se tudo acabasse ali. E começasse de novo.
Hoje havia duas mensagens me esperando na caixa de emails. Dois afagos. Uma música para começar o dia. E um Rubem Braga.

O pavão

Eu considerei a glória de um pavão ostentando o esplendor de suas cores; é um luxo imperial. Mas andei lendo livros, e descobri que aquelas cores todas não existem na pena do pavão. Não há pigmentos. O que há são minúsculas bolhas d’água em que a luz se fragmenta, como em um prisma. O pavão é um arco-íris de plumas.
Eu considerei que este é o luxo do grande artista, atingir o máximo de matizes com o mínimo de elementos. De água e luz ele faz seu esplendor; seu grande mistério é a simplicidade.
Considerei, por fim, que assim é o amor, oh! minha amada; de tudo que ele suscita e esplende e estremece e delira em mim existem apenas meus olhos recebendo a luz de teu olhar. Ele me cobre de glórias e me faz magnífico.

Rubem Braga. Rio, novembro, 1958

Um comentário:

Elton Pinheiro disse...

", como se fosse eu mesma uma repetição da paisagem, e ensaio os mesmos diálogos. Corrigindo uma palavra aqui, outra acolá." escrever é escutar esses "mesmos diálogos" sem medo. o texto começa bonito também, luminoso de jovem e com o olhar numa análise sobre os passantes, que estão diferentes. é uma constatação sutil como a luz que pinta os pavões.