Ontem à noite, lendo uma revista, descobri o endereço do caderno do Saramago, seu blog, sua página infinita na internet. Uma única e longa postagem por dia.
E ele falava de São Paulo e da chuva e da tragédia de Santa Catarina e da coletiva de imprensa.
Não sei escrever sobre os dias, o que está fora de mim e ocupa-me quase o tempo todo. Levo muito tempo para dizer de cada impressão, de cada pensamento que me atravessou enquanto tentava ler o jornal no carro que balançava. A manhã atrapalhada. Escutei "Somewhere Over the Raibow" com a Sarah Vaughan antes de colocar as lentes de contato. Não tomei café da manhã. O taxista não sabia para onde eu ia. No divã, contei as mesmas coisas. "Talvez você não queira estar satisfeita", acho que foi assim que ele disse.
quinta-feira, 27 de novembro de 2008
quarta-feira, 26 de novembro de 2008
história de quinze dias
Repetidas vezes não sei como começar. Não descubro uma primeira frase para o texto, não consigo encontrar um jeito de dizer. Por isso resolvi trazer o livro e deixar na minha mesa, ao lado dos compêndios de teatro. Quando a sensação de estar perdida volta, eu recorro ao volume de capa dura, papel jornal, páginas amareladas.
Ao folheá-lo hoje, dei com a crônica "Aquiles, Enéias, Dom Quixote, Rocambole". As palavras todas perfeitamente encadeadas, tudo tão simples e claro. Mas, eis que na página seguinte despontam as pétalas secas de alguma rosa vermelha que devo ter guardado ali há alguns anos. Parei de ler para pensar em quanto gosto das flores que guardo dentro de livros, em quanto gosto de descobri-las assim, por acaso, e, quando retornei à história, percebi no pé da página, página 72, a frase que resolvi guardar para o dia: "Ao cabo, tudo é admirar".
Voltei então para a página em branco, para me entregar às tarefas diárias mesmo sem inspiração.
Ao folheá-lo hoje, dei com a crônica "Aquiles, Enéias, Dom Quixote, Rocambole". As palavras todas perfeitamente encadeadas, tudo tão simples e claro. Mas, eis que na página seguinte despontam as pétalas secas de alguma rosa vermelha que devo ter guardado ali há alguns anos. Parei de ler para pensar em quanto gosto das flores que guardo dentro de livros, em quanto gosto de descobri-las assim, por acaso, e, quando retornei à história, percebi no pé da página, página 72, a frase que resolvi guardar para o dia: "Ao cabo, tudo é admirar".
Voltei então para a página em branco, para me entregar às tarefas diárias mesmo sem inspiração.
sábado, 22 de novembro de 2008
sábado
Desaprendi tanta coisa. Esqueci a dicção da sua voz, não sei mais escrever a caneta, no papel. Deslizo pelos dias sem me dar conta do que se passa, tomada por sensações tolas, temendo as horas que escapam. E há uma vontade _inútil_ de guardar esses pedaços menores de tempo que necessariamente se esvaem e se dissolvem indiferenciados.
terça-feira, 18 de novembro de 2008
mais do mesmo
Há meios de se dissimular uma separação, de se lhe acostumar com a idéia, de a ir gastando aos poucos. Revestindo-a de certeza, dando-lhe data, cobrindo-a de vaivéns e preparativos. É possível ir gastando-a para que não sobre inteira, para que não a possamos ter ali, concentrada em um momento único e irreparável.
Mas parece de pouca valia a estratégia. Ainda assim, ainda que gasta e certa, a perda é sempre perda. Ainda que passageira, sempre irremediável, sempre sem retorno. As despedidas, mesmo as esperadas, restarão para sempre como despedidas. O que tínhamos e deixamos de ter. Ainda que tenha sido por tempo breve, e dali a anos, nada nos diga, assim o teremos na memória, assim o guardaremos_como perda.
Mas parece de pouca valia a estratégia. Ainda assim, ainda que gasta e certa, a perda é sempre perda. Ainda que passageira, sempre irremediável, sempre sem retorno. As despedidas, mesmo as esperadas, restarão para sempre como despedidas. O que tínhamos e deixamos de ter. Ainda que tenha sido por tempo breve, e dali a anos, nada nos diga, assim o teremos na memória, assim o guardaremos_como perda.
segunda-feira, 17 de novembro de 2008
aprendizagem
"Falar é ter demasiada consideração pelos outros. Pela boca morrem o peixe e Oscar Wilde"
domingo, 16 de novembro de 2008
doçura
O ressentimento tão grande com as perdas, mas também a facilidade com que as aceito, talvez possa ser explicado pela minha natureza, eminentemente nostálgica.
Em verdade, consigo ter saudade de quase tudo, e me agrada que assim seja. No mais das vezes, só sei e só me interesssa aquilo que já está em mim _o que experimentei e transformei em lembrança_ porque é só assim que sinto o gosto. O gosto do tempo.
O seu doce, o seu amargo doce que sei suportar sem ter vontade de fugir. Na memória, as tintas são mais fortes, mas meu olho as sabe melhor e não se deixa ofuscar. Há certeza. Há certeza de que o passado existe, mas e o resto? O resto, não.
Em verdade, consigo ter saudade de quase tudo, e me agrada que assim seja. No mais das vezes, só sei e só me interesssa aquilo que já está em mim _o que experimentei e transformei em lembrança_ porque é só assim que sinto o gosto. O gosto do tempo.
O seu doce, o seu amargo doce que sei suportar sem ter vontade de fugir. Na memória, as tintas são mais fortes, mas meu olho as sabe melhor e não se deixa ofuscar. Há certeza. Há certeza de que o passado existe, mas e o resto? O resto, não.
ana cristina cesar
"Tenho uma folha branca e limpa à minha espera: mudo convite
tenho uma cama branca e limpa à minha espera: mudo convite
tenho uma vida branca e limpa à minha espera."
tenho uma cama branca e limpa à minha espera: mudo convite
tenho uma vida branca e limpa à minha espera."
sábado, 15 de novembro de 2008
basta um dia
uma vontade de me prender em miudezas, em detalhes completamente banais, vontade de ser feliz só porque a cor da árvore hoje era tão bonita.
Sempre que acordo cedo me convenço da beleza que só existe nas primeiras horas da manhã e me prometo que irei mudar os horários e despertar uma hora antes do normal só para ficar olhando a luz. A promessa é vã e passa. Sempre passa. Mas essa alegria matinal _uma alegria breve e sem razão_ me fez querer escolher palavras simples para o dia e me deter nas coisas pequenas, no desejo de andar de chinelo e vestido branco no fim da tarde.
Sempre que acordo cedo me convenço da beleza que só existe nas primeiras horas da manhã e me prometo que irei mudar os horários e despertar uma hora antes do normal só para ficar olhando a luz. A promessa é vã e passa. Sempre passa. Mas essa alegria matinal _uma alegria breve e sem razão_ me fez querer escolher palavras simples para o dia e me deter nas coisas pequenas, no desejo de andar de chinelo e vestido branco no fim da tarde.
quarta-feira, 12 de novembro de 2008
teatro sem cor
O convívio com o outro nada mais é que um grande jogo de esconder-se. Trata-se de esconder primeiro os maus hábitos; depois o próprio corpo; os defeitos ou aquilo que se julga como tal; o que se pensa e não se diz e, especialmente, o que se sente e não se admite. Como defesa, armamo-nos da falsidade nossa e da alheia.
Admiráveis os que mentem, os que são capazes de mentir tão completamente que acabam aceitando como verdade e como vida aquilo que não são. Tenho sido atriz, sempre e a valer. Hoje, não pude.
Admiráveis os que mentem, os que são capazes de mentir tão completamente que acabam aceitando como verdade e como vida aquilo que não são. Tenho sido atriz, sempre e a valer. Hoje, não pude.
domingo, 9 de novembro de 2008
dormir
Às vezes, viajávamos até essa praia, sem calçada defronte, sem asfalto por perto, sem guarda-sóis ou cadeiras de plástico. Em verdade, era só uma prainha, um tico de água salgada espremido entre duas pedras. Atrás de nós, atrás do mar, havia umas tantas árvores. Não me lembro ao certo como eram, não sei ver a cor ou o desenho das folhas, mas posso encontrar ainda bem viva na memória a sombra imensa que faziam.
Quando íamos a essa praia, de tarde, eu sentia tédio. A maré subia, a água cobria as pedras, e apagava todos os nomes que eu gostava de escrever com os dedos na areia. Não me lembro de nenhum pôr-do-sol, nenhum fim de tarde. Só da água subindo e daquela sensação de fim. Não havia mais quase areia, o que fazer, para onde ir.
Nunca quis voltar lá e ver o mar tomar tudo. Mas hoje tive o súbito desejo de me deitar em uma rede azul que ficava armada, supensa entre aquelas árvores, na sombra larga diante do mar. Só dormir diante daquele mar da infância e não acordar quando houver luz. Nem depois.
Quando íamos a essa praia, de tarde, eu sentia tédio. A maré subia, a água cobria as pedras, e apagava todos os nomes que eu gostava de escrever com os dedos na areia. Não me lembro de nenhum pôr-do-sol, nenhum fim de tarde. Só da água subindo e daquela sensação de fim. Não havia mais quase areia, o que fazer, para onde ir.
Nunca quis voltar lá e ver o mar tomar tudo. Mas hoje tive o súbito desejo de me deitar em uma rede azul que ficava armada, supensa entre aquelas árvores, na sombra larga diante do mar. Só dormir diante daquele mar da infância e não acordar quando houver luz. Nem depois.
sexta-feira, 7 de novembro de 2008
chover
Cada nova palavra que invento para ajeitar essa sofreguidão me dão a medida de meu fracasso. Não me toque com nenhuma palavra, não me faça lembrar de meus pedaços de saudade, da doçura sem fim que me despertam suas promessas não feitas.
Se a chuva tornar a cair, posso me abandonar por horas diante da janela. Encontrar tristezas antigas, recuperar pedaços velhos das coisas que deixei pelo caminho. Se hoje a chuva voltar, posso perder-me na água que escorre pelo meio-fio até que tudo fique claro e sem nome.
Se a chuva tornar a cair, posso me abandonar por horas diante da janela. Encontrar tristezas antigas, recuperar pedaços velhos das coisas que deixei pelo caminho. Se hoje a chuva voltar, posso perder-me na água que escorre pelo meio-fio até que tudo fique claro e sem nome.
quarta-feira, 5 de novembro de 2008
florbela espanca
"É esta a história da minha tristeza. História banal, como quase toda a história dos tristes."
arpejo
Posso ouvir a pergunta na minha voz enjoativa. Eu respondo que não. Não estou pensando em você. Não é no seu nome que eu penso quando está escuro e a grande árvore diante da janela ocupa a casa inteira. É só uma imagem que insiste em aparecer, é só a cor da sua pele que eu, desastradamente, aprendi a querer. Vamos passear pelo jardim? Dar voltas em torno do quarteirão? E você promete que respira perto de mim no escuro da sala de cinema?
Volto às mesmas sensações, repito durante o sonho que meu desejo é só mais alguma das minhas bobagens pueris, sem sentido, sem razão. Mas daí me assalta a lembrança das suas mãos, dos seus olhos, imensos, translúcidos, e todas as minhas divagações sobre motivações neuróticas, as incontáveis explicações razoáveis que construí, não valem mais nada.
Volto às mesmas sensações, repito durante o sonho que meu desejo é só mais alguma das minhas bobagens pueris, sem sentido, sem razão. Mas daí me assalta a lembrança das suas mãos, dos seus olhos, imensos, translúcidos, e todas as minhas divagações sobre motivações neuróticas, as incontáveis explicações razoáveis que construí, não valem mais nada.
segunda-feira, 3 de novembro de 2008
não saber
"Não creio na felicidade dos animais, senão quando me apetece falar nela para moldura de um sentimento que a sua suposição saliente. Para se ser feliz é preciso saber-se que se é feliz. Não há felicidade em dormir sem sonhos, senão somente em se despertar sabendo que se dormiu sem sonhos. A felicidade está fora da felicidade. Não há felicidade senão com conhecimento. Mas o conhecimento da felicidade é infeliz; porque conhecer-se feliz é conhecer-se passando pela felicidade, e tendo, logo já, que deixá-la atrás. Saber é matar, na felicidade como em tudo. Não saber é, porém, não existir."
retorno
No dia em que voltava para casa, havia festa. Era o primeiro aniversário dele. Escolheu o vestido mais bonito, branco, com uma fita longa que servia para dar o laço nas costas, e casinhas de abelha. Todas bordadas em azul marinho.
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