domingo, 16 de novembro de 2008

doçura

O ressentimento tão grande com as perdas, mas também a facilidade com que as aceito, talvez possa ser explicado pela minha natureza, eminentemente nostálgica.
Em verdade, consigo ter saudade de quase tudo, e me agrada que assim seja. No mais das vezes, só sei e só me interesssa aquilo que já está em mim _o que experimentei e transformei em lembrança_ porque é só assim que sinto o gosto. O gosto do tempo.
O seu doce, o seu amargo doce que sei suportar sem ter vontade de fugir. Na memória, as tintas são mais fortes, mas meu olho as sabe melhor e não se deixa ofuscar. Há certeza. Há certeza de que o passado existe, mas e o resto? O resto, não.

3 comentários:

lufec disse...

e entao, eu na livraria, com aquela pilha de 10 livros na mesa do cafe, sem saber ao certo o que eu queria, insatisfeita com tudo. o que eu queria mesmo era um romance, em prova, de maria eugenia de menezes...

I'm not interesting disse...

"Beber a vida num trago, e nesse trago
Todas as sensações que a vida dá
Em todas as suas formas [...]
...................................
Dantes eu queria
Embeber-me nas árvores, nas flores,
Sonhar nas rochas, mares, solidões.
Hoje não, fujo dessa idéia louca:
Tudo o que me aproxima do mistério
Confrange-me de horror. Quero hoje apenas
Sensações, muitas, muitas sensações,
De tudo, de todos neste mundo — humanas,
Não outras de delírios panteístas
Mas sim perpétuos choques de prazer
Mudando sempre,
Guardando forte a personalidade
Para sintetizá-las num sentir.
Quero
Afogar em bulício, em luz, em vozes,
— Tumultuárias [cousas] usuais —
o sentimento da desolação
Que me enche e me avassala.
Folgaria
De encher num dia, [...] num trago,
A medida dos vícios, inda mesmo
Que fosse condenado eternamente —
Loucura! — ao tal inferno,
A um inferno real"

(obviamente, pensei em você. e em mim, claro)

Unknown disse...

Paisagem, como se faz

Carlos Drummond de Andrade

Esta paisagem? Não existe. Existe espaço vacante, a semear
de paisagem retrospectiva.

A presença da serra, das imbaúbas,
Das fontes, que presença?
Tudo é mais tarde.
Vinte anos depois, como nos dramas.

Por enquanto o ver não vê; o ver recolhe fibrilhas de caminho, de horizonte,
e nem percebe que as recolhe
para um dia tecer tapeçarias
que são fotografias
de impercebida terra visitada.

A paisagem vai ser. Agora é um branco a tingir-se de verde, marrom, cinza,mas a cor não se prende a superfícies,
não modela. A pedra só é pedra
no amadurecer longínquo.
E a água deste riacho
não molha o corpo nu:
molha mais tarde.
A água é um projeto de viver.

Abrir porteira. Range. Indiferente.
Uma vaca-silêncio. Nem a olho. Um dia este silêncio-vaca, este ranger baterão em mim perfeitos,
existentes de frente,
de costas, de perfil,
tangibilíssimos. Alguém pergunta ao lado:
O que há com você?
E não há nada
senão o som-porteira, a vaca silenciosa.

Paisagens, país
feito de pensamento da paisagem,
na criativa distância espacitempo,
à margem de gravuras, documentos,
quando as coisas existem com violência mais do que existimos: nos povoam e nos olham, nos fixam. Contemplados, submissos, delas somos pasto,
somos a paisagem da paisagem.