Parecia tolo apelar para terceira pessoa, mas estava cansada de dizer e de se ouvir dizendo: eu, eu, eu. Durante toda a manhã, uma manhã de sol e calor, perdeu-se em pensamentos inúteis, em detalhes insignificantes, e escrevia mentalmente cada uma das suas impressões sobre o trajeto, aquele caminho tão familiar, que fazia parte de sua paisagem desde que se mudara para aquela cidade.
Lembrava de ter passado por ali tantas vezes. Há dez anos, ela pensou naquele dia de luz pegajosa, cruzara aquela rua de braço dado com o novo amigo. Ele hoje é uma parte dela, um afeto sólido e constante, uma certeza da sua capacidade de se ligar ao outro. Mas, talvez, já o amasse ali. Na história que construiu para os dois (porque ela vive a florear o passado), gosta de pensar que o amou desde o primeiro dia, quando a grande porta de vidro do museu se abriu e ele apareceu, branco, com uns óculos que lhe emprestavam um ar desajeitado e doce.
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